Com base nas Escrituras, apresento quatro razões porque não devemos
acreditar na doutrina do purgatório.
RAZÃO 1: A redenção de Cristo foi suficiente para nossa salvação, não
sendo necessário uma estado de purificação após a morte. “Se, porém, andarmos
na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue
de Jesus nos purifica de todo pecado” (1Jo 1.7). Uma vez que o pecador se
arrepende sinceramente, confessa seus pecados, faz o propósito de uma nova vida
e recorre cotidianamente à sua graça, Deus realiza sua justiça. Na Primeira
Carta de João 1.8 está escrito: “Se confessamos os nossos pecados, ele é fiel e
justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”.
A morte de Cristo perdoou todos os nossos pecados e satisfez completamente
as penas devidas. Não existe prova bíblica que a justiça divina
exija do pecador qualquer satisfação, qualquer boa obra para que possa ser
justificado ou purificar alguém dos seus pecados na vida eterna, caso
contrário, a justificação não seria pela graça, mas por méritos humanos. Paulo
é claro: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós;
é dom de Deus, não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8). Onde há arrependimento sincero e propósito
de uma vida correta, a misericórdia de Deus vem ao encontro do homem e apaga
toda lembrança de suas transgressões: “Mas, se o perverso se converter de todos
os pecados que cometeu, e guardar todos os seus estatutos, e fizer o que é reto
e justo, certamente, viverá; não será morto. De todas as transgressões que cometeu
não haverá lembrança contra ele, pela justiça que praticou, viverá” (Ez
18.21,22). Assim, se uma pessoa vivia em
pecado, se arrependeu no leito de morte, encontra a salvação, não sendo
necessário que pague as penas pelos seus pecados no purgatório através de
indulgências ou boas obras (orações, jejuns, esmolas, promessas, missas). O
purgatório não é “lugar” para se adquirir méritos. Mediante a fé em Jesus, não
tendo a intenção de ser justificado diante de Deus por nenhuma obra, o cristão deve, na sua vida terrena, praticar
o bem enquanto tem tempo (Cf. Gl 6.10). Jesus falou da necessidade de fazer as
obras do Pai “enquanto é dia; a noite vem quando ninguém pode trabalhar” (Jo
9.3). As obras, por serem evidências da
fé em Jesus, realizadas através da graça, nos acompanharão (Cf. Ap 14.13).
Receberemos a recompensa conforme aquilo que semeamos, fizemos por meio do
corpo (Cf. 2Cor 5.10; Gl 6.7,8;).
Diante do tribunal de Cristo, não haverão mais possibilidades de
pagamentos de penas, de práticas de satisfação pelos nossos pecados. Assim como
nossas virtudes não anulam o que fizemos de ruim, assim também, na eternidade,
nenhuma boa obra será eficaz para libertar as penas de uma alma no
purgatório. O que nos resta é a fé na justiça divina que
agirá conforme sua vontade e não baseada em méritos pessoais, pois é lícito que
o Senhor faça o que quer com aquilo que lhe pertence (Cf. Mt 20.15). Quem
acredita na necessidade de um estado de purificação após a morte, nega que
Jesus, pelo seu sangue vertido na cruz, nos purificou de todos os pecados. Crer
no purgatório é limitar a expiação de Cristo e sua eficácia plena para a
salvação.
RAZÃO 2: Não
existe nenhuma referência bíblica sobre o purgatório. Do Gênesis ao Apocalipse,
não encontramos nenhuma passagem bíblica que faça menção a um estado
intermediário entre os mortos condenados e os bem-aventurados ou que seja
necessário que as almas sejam purificadas dos seus pecados para entrarem no
céu. A doutrina da Igreja Católica Romana, com base em sua tradição, diz que
antes do juízo existe um fogo purificador (Cf. CIC, n.1031). Porém, diferente,
do que rege a doutrina Católica Romana, a Bíblia diz que o que nos espera após
a morte é o juízo: “E assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez,
depois disto, o Juízo” (Hb 9.27).
Outro texto
bíblico que trata sobre o juízo, como uma realidade posterior a morte, se
encontra na primeira Carta aos Coríntios 3.13-15, que diz: “Manifesta se
tornará a obra de cada um; pois o Dia a demonstrará, porque está sendo revelada
pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará. Se
permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá
galardão; se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será
salvo, todavia, através do fogo”.
Com base na
interpretação desse texto bíblico por parte de alguns padres antigos, a Igreja Católica
Romana definiu a doutrina do purgatório. O texto Paulino, entendido no seu
contexto, não se refere à purificação de almas, mas trata da evidenciação e provação
das obras dos ministros da pregação. No “Dia” do julgamento, e não antes do
julgamento como se encontra na definição da doutrina do purgatório (Cf. CIC, n.
1031), ficará evidente se as obras dos pregadores foram edificadas sobre o
fundamento, sobre coisas preciosas (“ouro, prata, pedras preciosas”) ou coisas
inúteis (“madeira, feno, palha”) (Cf. 1Cor 3.12). O fogo, que tem poder de
purificar, haverá de mostrar o que resistirá ou não, o que terá pureza ou não, o
que terá veracidade ou não diante do julgamento de Deus. Naquele Dia,
“conhecerei como sou conhecido” (1Cor 13.12), isso é, o homem compreenderá a verdade sobre si mesmo
e tendo passado pela prova de fogo, receberá o galardão (Cf. 1Cor 3.13), será
salvo (Cf. 1Cor 3.17).
A eternidade
não é lugar de purificação das almas, com “um fim de obterem a santidade
necessária para entrarem na alegria do Céu” (CIC, n. 1030) e nem tão pouco essa “purificação liberta do que se chama « pena
temporal » do pecado” (CIC, 1472). A obra do ser
humano, por melhor que pareça, não tem poder meritório para purificar a alma de
quem morreu. “Cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho”
(1Cor 3.8). O texto não diz que receberemos recompensa através dos trabalhos,
“méritos” ou obras de outros.
A única
possibilidade de purificação de uma pessoa é na vida terrena. Através de várias provações, sofrimentos
nossa fé é constantemente provada. Assevera o Apóstolo Pedro: “Nisso exultais,
embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por
várias provações, para que, uma vez confirmado o valor de vossa fé, muito mais
que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória na
revelação de Jesus Cristo; a quem, não havendo visto, amais, no qual, não vendo
agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, obtendo o
fim de vossa fé: a salvação de vossa alma” (1 Pd 1.6-9).
A Igreja
Católica Romana considera o texto citado como um dos fundamentos bíblicos
acerca do purgatório. Porém é mais um engano. Pedro não trata de uma
purificação após a morte, mas em vida, “no presente” (1Pd 1.6). Assim como o
valor do ouro é provado pelo fogo, assim também, o verdadeiro valor da fé se
revela quando a mesma é testada. O fogo não diminui a qualidade do ouro, mas o
purifica. “Assim Deus impôs a cruz a todos os cristãos para limpar e
purificá-los bem, a fim de que a fé permaneça pura, assim como a Palavra é
pura, de maneira que a pessoa se apegue unicamente à Palavra e não se apoie
sobre outra coisa. Pois nós certamente precisamos dessa purificação e aflição
todos os dias por causa do grosseiro velho Adão” (Lutero, AE 30.17).
A santidade necessária para
entrarmos na alegria do céu foi nos possibilitada na cruz. A sua graça não foi
incompleta, imperfeita de forma que precisamos oferecer sacrifícios
cotidianamente pelo sufrágio dos que morreram, pois “Cristo, tendo oferecido
uma vez para sempre para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem
pecado, aos que o aguardam para salvação” (Hb 9.28). Por meio do seu
sacrifício, Jesus nos fez justos e santos, nos redimiu do pecado e da morte e
nos trouxe para o reino celestial. Todas as nossas obras usadas para expiar
pecados configura-se como uma ofensa a graça de Deus.
Podemos “deduzir que certas faltas
podem ser perdoadas no século futuro” (CIC, n.1030) como argumenta a Igreja
Católica Romana em defesa do purgatório? O papa Gregório Magno (50-604), com base em Mt
12.32, cogitou essa possibilidade de que algumas faltas podem ser perdoadas na
eternidade. Porém, o texto não possibilita essa interpretação. Vejamos o que diz
o texto: “Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á
isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso
perdoado, nem neste mundo nem no porvir”. O texto trata sobre o pecado sem
perdão, ou seja, é o pecado que leva à condenação. Aqui não se trata de pecados
veniais ou penas das quais a pessoa pode se purificar no purgatório como os
defensores dessa doutrina afirmam. Ora, segundo a doutrina do purgatório, os
que passam por estado de purificação, já estão destinados à salvação. Assim, o
texto de Mateus não pode ser usado como justificativa para o purgatório, pois o
mesmo deixa evidente a impossibilidade da salvação para quem blasfemar contra o
Espirito Santo. O que significa então a expressão: “não lhe será isso perdoado,
nem neste mundo nem no porvir”? Não significa que exista a possibilidade de
perdão de pecados em outra vida, mas a expressão é uma forma enfática de dizer
“nunca”, pois, como o próprio texto afirma é um “pecado sem perdão” (Mt 12.31).
Os argumentos bíblicos usados
pela Igreja Católica são insuficientes para provar a existência do purgatório,
pois se baseiam em interpretações equivocadas por parte de alguns padres da
Igreja.
RAZÃO 3: O
purgatório nunca foi uma crença da Igreja primitiva. Jesus e os apóstolos não
fizeram uma única referência a um estado de purificação da alma após a morte,
denominado de purgatório. Eles apontaram
apenas dois destinos para o homem após sua morte: céu e inferno. Uma prova
contundente que não há necessidade de purificação da alma após a morte se
encontra nas palavras de Jesus ao ladrão arrependido: “Em verdade te digo que
hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.42). Essa absolvição de Cristo foi
suficiente, não sendo necessário ao ladrão, pagar em outra vida pelas penas dos
seus pecados. No entanto, na compreensão Católica Romana do purgatório,
deveríamos entender as palavras de Jesus da seguinte maneira: “Primeiro, você
vai para o purgatório purificar-se de suas faltas, depois de serem celebradas
várias missas em sufrágio de sua alma e seus irmãos tiverem feitos várias boas
obras oferecidas pela sua purificação, você estará comigo no paraíso”. O texto bíblico deixa explícito que é “hoje” o
dia da salvação. No momento que o ladrão reconheceu seus pecados e testemunhou
a inocência de Jesus, ou seja, reconheceu sua majestade e graça, (Cf. Lc 23.
41,42 ), foi agraciado com a vida eterna. “Se existia” purgatório, Jesus aboliu
ou desconsiderou desnecessário para entrar no céu quando deu uma absolvição
plena de todos os pecados e penas do ladrão arrependido, sem exigir nenhuma
satisfação de suas penas na vida futura.
RAZÃO 4: O
purgatório é uma doutrina formulada pelo Concílio de Florença (1438-1445) e
confirmada pelo Concílio de Trento (1545-1563). Nenhum outro Concílio anterior
pronunciou-se sobre o purgatório, ou seja, por mais de um milênio, não existiu
por parte da Igreja cristã o reconhecimento do purgatório como dogma de fé. O
que deixa evidente que não era um ensinamento aceito por todos os cristãos,
principalmente pelos Católicos Ortodoxos.
Na Idade
Média, com a pregação das indulgências, a doutrina sobre a existência do
purgatório foi bastante acentuada. O papado, através de pagamentos, prometia indulgências
como garantias do perdão das penas que o pecador deveria expiar no purgatório.
A doutrina do purgatório interligada com a doutrina das indulgências tornou-se
fonte de lucro para a Igreja de Roma. Lutero
foi crítico com relação essa prática lucrativa: “Pregam doutrina humana os que
dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, alma sairá voando (do
purgatório para o céu). Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem
aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão, porém, depende apenas da vontade de
Deus” (Teses 27 e 28). Assim, se o purgatório tem alguma utilidade, esta
consiste em favorecer os cofres da Igreja Romana e de seus clérigos. “Desde o
início do mundo não se descobriu negócio mais lucrativo e menos trabalhoso.
Pois por meio desse artifício foram canalizados para cá por meio dos fundadores
das igrejas as riquezas, os prazeres e a ociosidade, por meio da ociosidade,
porém, Babilônia e Sodoma. Pois Satanás odiava o sacramento do altar e não se
lhe oferecia uma forma de esvaziá-lo de seu conteúdo. Inventou então que fosse
considerado uma boa obra e um sacrifício, que fosse comprado e vendido o que
Cristo instituiu somente como sacramento para alimentar a fé dos fiéis”
(LUTERO, Obras Completas, v.3, p. 64). Em nome do lucro, a missa foi convertida
em boa obra por meio da qual pode fazer satisfação pelos pecados dos vivos e
mortos, quando na verdade, a missa (ou ceia) é um sacramento (sinal) e um
testamento (contém as promessas de Deus para nossa salvação) que se deve
receber como benefício, graça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A doutrina do purgatório é uma invenção
da Igreja Romana, fruto da interpretação distorcida do sentido das Escrituras. Assim,
profanam a Palavra de Deus, cumprindo a profecia de Daniel que diz sobre o
levantamento de “um rei de feroz catadura e especialista em intrigas. Grande é
o seu poder, mas não por sua própria força; causará estupendas destruições,
prosperará e fará o que lhe aprouver; destruirá os poderosos e o povo santo. Por
sua astúcia nos seus empreendimentos, fará prosperar o engano, no seu coração
se engrandecerá e destruirá a muitos que vivem despreocupadamente; levantar-se-á
contra o Príncipe dos príncipes, mas será quebrado sem esforço de mãos humanas”
(8.23-25). Convém que estejamos atentos,
pois no reino das aparências de piedade e boas obras, “Antíoco IV”, opositor de Deus, continua com
suas astúcias, fazendo “prosperar o engano”.
Diante dos argumentos
apresentados, podemos inferir que:
1. A Redenção de Cristo foi
suficiente para nossa salvação, não sendo necessário um estado de purificação
da alma após a morte;
2. Não devemos acreditar no
purgatório, pois sua doutrina não tem fundamentação bíblica, mas apenas baseia-se
em interpretações bíblicas de alguns padres da Igreja. A interpretação deles dos
textos bíblicos não pode ter a mesma autoridade das Escrituras;
3. O purgatório nunca foi uma
crença da Igreja primitiva. Jesus e os apóstolos não fizeram uma única
referência a um estado de purificação da alma após a morte, denominado de
purgatório. Eles apontaram apenas dois
destinos para o homem após sua morte: céu e inferno;
4. Por mais de um milênio, não existiu por parte
da Igreja cristã o reconhecimento do purgatório como dogma de fé. O que deixa
evidente que não era um ensinamento aceito por todos os cristãos.
5.
Nenhuma doutrina que não tenha fundamentação nas Escrituras deve ser aceita
como norma de fé. Em oposição à doutrina do purgatório que exige obras para
purificar a alma, creio na Palavra que diz: “Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé, e isto não vem de vós; é dom de Deus, não de obras, para que
ninguém se glorie” (Ef 2.8).
Lúcio Rufino Pinheiro