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segunda-feira, 25 de junho de 2018

QUEM ERA A BESTA DO LIVRO DO APOCALIPSE?

A Besta que o autor do livro do Apocalipse faz referência no capítulo 13 é interpretada por muitos religiosos fundamentalistas como um grande líder religioso cujo poder abrange o mundo inteiro. Não poucas vezes, os “irmãos separados” identificaram a Besta como sendo o bispo de Roma, o papa. Existe fundamento para essa identificação? Para responder essa pergunta, convém um entendimento do contexto no qual o livro do Apocalipse foi escrito.
O livro do Apocalipse, segundo estudiosos conceituados, foi concluído por volta do ano 95 d.C., no reinado de Domiciano, imperador romano que mandou executar seu primo Flávio Clemente por ser cristão. Outras partes do livro, foram escritas no tempo do imperador César Nero, antes do ano 70 d.C.
O contexto maior no qual o livro do Apocalipse foi escrito é de perseguição do império romano a Igreja Cristã, representada pela Mulher perseguida (ἐδίωξεν -edioxen) pelo Dragão (Cf. Ap 12,13). Os cristãos, no período das perseguições, passaram por uma “grande tribulação (θλίψεως” τῆς μεγάλης) (Cf. Ap 7,14; 1,9; 2,9; 2,10;2,22) que resultou em exílio (Cf. Ap 1,9 ), prisões e mortes (Cf. Ap 13,10).
Diante desse cenário de perseguição, o autor escreveu o livro do Apocalipse com a finalidade de animar os cristãos para perseverarem no testemunho até as últimas consequências (Cf. Ap 12,11). Os que permanecerem firmes receberão a “coroa da vida” (Ap 2,10), serão considerados felizes (Cf. Ap 1,3; 14,13; 16,15; 19,9; 20,6). A mensagem do Apocalipse é de esperança. Virá um tempo novo, “um céu novo e uma nova terra”, sem dor, sofrimento e morte (Cf. Ap 21, 1-4), pois, o maior poder não é do imperador, mas do Cordeiro (Cf. Ap 5,13 ). Ele assumirá o trono (Cf. Ap 21,5). Com o Cordeiro, os justos e fiéis participarão do seu reinado (Cf. Ap 20, 4-5).
Como não era possível em tempos de perseguição falar de forma clara, o autor transmitiu sua mensagem aos cristãos usando o gênero apocalíptico, repleto de imagens e símbolos. No gênero apocalíptico, animais, como a Besta, geralmente são associados ao homem.
Vejamos o que diz Ap 13 sobre a Besta, fazendo uma análise de alguns versículos:
a) “Vi então uma Besta que subia do mar. Tinha dez chifres e sete cabeças” (...) (v.1).
A Besta (θηρίον ) surge do mar. Na Bíblia, o mar aparece muitas vezes como símbolo do mal, lugar dos monstros estranhos (Cf. Sl 74,13-14; Jó 40,15). Representa forças negativas que se opõem a Deus (Cf. Jo 7,12). A Besta, portanto, é portadora do mal. Chifres e cabeça são símbolos explicados em Ap 17, 9-12. Os “dez chifres” representam reis que não receberam o poder de governar (Cf. Ap 17,12) e que se revoltam contra o domínio do império (Cf. Ap 17,16). As “sete cabeças” são os “sete montes” (Cf. Ap 17, 9a), colinas de Roma, capital do império. Representam ainda “sete reis” (Ap 17,9b), imperadores romanos. Nota-se, portanto, que o poder da Besta não é religioso, mas político.
b) “Aqui é preciso discernimento! Quem é inteligente calcule o número da Besta, pois é um número de homem: seu número é 666” (ἑξακόσιοι ἑξήκοντα ἕξ ) (Ap 13,18).
Nas línguas antigas, como hebraico e grego, as letras do alfabeto tinham valores numéricos. Por exemplo: Lúcio em grego é "λούκιος ".  Transformando cada letra desse nome em numerais,  λ (30) + ο (70) + ύ (400) + κ (20) + ι (10) + ο (70) + ς (200) obteremos o seguinte resultado: 800. Quase o número de Jesus (ἰησοῦς) que é 888. 
Assim, foram levantadas várias hipóteses sobre o “número da Besta” a partir de vários cálculos. Vejamos algumas hipóteses:
a) Os imperadores romanos recebiam o título de César, em grego, kaísar (καίσαρ). Além desse título, os imperadores se julgavam deuses. Assim, feito o cálculo com o título César-Deus (καίσαρ-θεός) καίσαρ-θεός = κ (20 ) + α ( 1 ) + ί (10 ) + σ (200 ) + α (1 ) + ρ ( 100 ) + θ (9 ) + ε ( 5) + ό (70) + ς ( 200 ) é possível chegar ao seguinte resultado: 616. Segundo os defensores dessa teoria, com base em um fragmento antigo do livro Apocalipse, encontrado em 1985, hoje conservado no museu de Oxford (Inglaterra), o número que se encontra no texto é 616. Existem ainda dois pequenos manuscritos gregos do Apocalipse que têm 616. Santo Irineu (140-202) em seus escritos faz referência à existência de duas variantes nos códices do Apocalipse, 666 e 616.
b) Transformando o nome César Nero do grego para o hebraico, somando os valores das consoantes do seu nome: Q: qof: (100) + S: samekh (60) + R: resh (200) + N: num (50) + R: resk (200) + V: vav (6) + N: nun (50) o resultado final será o número 666. Essa teoria é defendida nas notas explicativas das Bíblias Católicas.
c) O número sete na Bíblia significa plenitude, totalidade, perfeição. Seis na Bíblia indica imperfeição. O número 666 acentuava que o império da Besta era fraco, inferior, imperfeito, vulnerável.
Os argumentos acerca do número da Besta do Apocalipse são diversos. Porém, o argumento mais frágil e sem relação com o contexto bíblico de Apocalipse 13 é aquele que associa o número da Besta ao líder da Igreja Católica Apostólica Romana, o papa. Uriah Smith, Adventista do Sétimo Dia, em sua obra, “As profecias do Apocalipse”, atribuiu o número da Besta ao papa. Segundo o mesmo, o representante da Igreja Católica usava na sua tiara o seguinte título em latim: “VICARIUS FILII DEI” (Vigário do Filho de Deus). A transformação de algumas letras desse título em latim para numerais romanos fez com que Smith chegasse ao número 666. A teoria de Smith, amplamente divulgada por muitos religiosos anticatólicos, não tem sustentação pelas seguintes razões: O papa não usa o título Vigário do Filho de Deus e o texto de Apocalipse 13,18 diz que era “um número de homem” e não um título.
Portanto, quem era a Besta do livro Apocalipse? Conforme os argumentos apresentados, podemos afirmar que se tratava de “um imperador romano” que perseguia os cristãos no primeiro século. Seu número poderia indicar que seu poder era limitado, frágil. Qualquer interpretação que anule essa compreensão não tem coerência com o texto bíblico. “É preciso discernimento” (Ap 13,18) para não divulgar doutrinas falsas baseadas em interpretações subjetivas de textos bíblicos de difícil compreensão.

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Lúcio Rufino Pinheiro

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